Direitos e deveres em tempos de pandemia

Por Redação Deixe um comentário 6 min de leitura
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Em tempos de pandemia, que direitos temos e que deveres nos alcançam? Esta relação nem sempre é fácil, aliás, não faz muito que li em alguns lugares que a nossa Constituição tem muitos direitos, um erro na opinião dos críticos, deveria ter mais deveres, o que será que estão achando agora?

É possível dizer que as pessoas têm direito de ir às ruas? Sim! É possível dizer que as pessoas têm direito de trabalhar? Sim! Ambas previstas na Constituição Federal.

Por outro lado, o poder público (União, Estados e municípios) tem direito de impor distanciamento social? Sim! Os municípios e Estados podem impor barreiras e limites ligados à questões sanitárias e de proteção à saúde? Sim?

Mas então, como se resolve esta situação?

No meu ponto de vista é uma questão que se resolve de duas maneiras.

A primeira está relacionada com a ética. As pessoas não deveriam ir para as ruas porque há uma possibilidade, respaldada em dados científicos e recomendado por organizações nacionais e internacionais sérias, de causar mal aos outros, de pegar e de repassar uma doença que mata pessoas. Isso deveria bastar para se seguir a recomendação de não circulação. Mas talvez algumas pessoas possam não ligar para isso, e então a ética valerá de muito pouco para fazer com que as pessoas fiquem em casa. Ética, é bom lembrar, é um ato de escolha livre.

A outra opção é jurídica.

Do ponto de vista do Direito pode-se perceber que a Constituição não prevê nenhum direito absoluto, nem mesmo a vida o é, já que em caso de guerra declarada pode-se impor pena de morte. Se é assim, qualquer direito pode sofrer restrição, inclusive aqueles ligados a liberdade de locomoção, de trabalho e de livre iniciativa, para ficar apenas nesses mais evidentes nesses tempos de doença global.  Mas qual é o limite para estas restrições? Posso ir preso se eu sair na rua?

Para o enfrentamento da pandemia temos uma estrutura de normas jurídicas que dão validade aos atos estatais, logo, as medidas tomadas não são invenções dos chefes do executivo brasileiro nos estados, municípios e na União, mas um programa legislativo de combate ao corona vírus. Além da Constituição Federal, que assegura vários direitos e deveres, temos a lei 13.979/2020, regulamentada pelos decretos 10.282/2020 e 10.288/2020. Vale ressaltar que a lei acima indicada foi feita pelo Congresso Nacional ainda em fevereiro de 2020, temos que elogiar o Congresso por esta medida célere e coerente.

A referida lei estabelece a possiblidade de decretação de situação de emergência de saúde pública para enfrentamento do corona vírus, já decretado pelo Ministério da saúde. Com isso, é possível a imposição de isolamento social e quarente a quem está doente ou com suspeita de contaminação (art. 2º da lei 13.979/20). A lei ainda prevê a imposição pelo poder público de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coletas e amostras clínicas, vacinação, exumação de corpos, restrição temporária e excepcional a locomoção interestadual e intermunicipal, requisição de bens dentre outras medidas que a lei permite impor.

Estas imposições estão dentro das possibilidades de restrição aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Já há decisões liminares no STF reconhecendo que não há inconstitucionalidade na aplicação pelos estados, municípios ou pela União de tais medidas. As decisões foram tomadas na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 6341 e na Arguição de Descumprimento de preceito fundamental nº 672.

Contudo, o fato de se poder impor limites aos direitos fundamentais não abre uma possibilidade para que o Poder público possa fazer o que bem entender. É possível dizer, com alguma segurança, que o Poder público não pode prender pessoas que queiram ou precisem sair de casa, exceto se a pessoa realmente estiver doente, ocasião em que se aplicam os artigos 267 e 268 do Código penal, que estão relacionadas a propagação de epidemia ou de doença contagiosa.

Se é assim, podemos afirmar que o poder público tem o dever constitucional de promover o bem comum e proteger as pessoas em uma situação de pandemia, como todo dever vem acompanhado de um poder, o poder público também pode impor restrições, temporárias e excepcionais, aos direitos fundamentais mais básicos dos indivíduos e que, em regra, não podem ser tocados por quem quer que seja sem um justificativa muito boa.

Entretanto, mesmo podendo muito há limites às restrição que se podem  impor aos direitos básicos dos indivíduos, elas tem de ser autorizados na Constituição e nas leis e têm de estar ligados ao combate a pandemia. Mesmo assim, toques de recolher, condução à prisão e construção de barreiras que impeçam as pessoas de entrar e sair das cidades estão fora destas possibilidades.

O ideal mesmo é que as estruturas jurídicas não precisassem ser movidas para evitar que a doença se propagasse, pois não querer fazer mal aos outros deveria ser uma premissa essencial para se viver em uma sociedade, mas quando a ética falha, o direito deve entrar em ação como medida de coação.

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