Uma série de documentos obtidos pelo Diário do Estado e protocolados pela justiça neste ano revelam a existência de um esquema bilionário de fraude em licitações do transporte coletivo em 19 cidades de sete estados além do Distrito Federal, em que também é investigada a empresa Viação Rocio, que presta o serviço em Paranaguá.
A operação fraudulenta direcionou o contrato de concessão para a empresa da família Gulin através da participação da Logitrans, empresa cujo o engenheiro Garrone Reck foi sócio. A Logitrans era contratada pela Prefeitura de Paranaguá e também pelas demais prefeituras para realizar estudos de logística e projeto básico de mobilidade urbana, enquanto o filho de Garrone, o advogado Sacha Reck, prestava serviços jurídicos para as empresas interessadas, no caso de Paranaguá, a Viação Rocio.
O Diário do Estado teve acesso a troca de e-mails investigados pela promotoria do Ministério Publico do Paraná, onde o advogado Sacha Reck dá quase como certa a contratação da Logitrans pela Prefeitura na época. Os indícios apontam que Sacha atuou na elaboração do edital de licitação favorecendo a Viação Rocio, antes mesmo que ele fosse publicado pela prefeitura.
De acordo com a investigação, os envolvidos já se comunicavam sobre a licitação do transporte coletivo em Paranaguá desde o início de 2007, quando em março de 2008 o contrato com a Viação Rocio é assinado pelo então prefeito José Baka Filho, prevendo concessão da empresa na cidade por 15 anos e faturamento de R$ 180 milhões.
Interferência no edital de licitação
O esquema tinha a participação também de funcionários da prefeitura de Paranaguá para que o objetivo do grupo fosse concluído, ou seja, o vencimento da licitação. Sacha Reck elabora o edital e opina, inclusive, sobre o documento de convocação de audiência pública – isso ao mesmo tempo, em que fornecia informações para Zeca Gulin e Donato Gulin, os donos da Viação Rocio, que em Paranaguá é gerenciada por Ângelo Gulin Neto, sócio de Donato em outras operações.
O contato do grupo na Prefeitura de Paranaguá era o advogado Émerson Fukushima, mencionado no e-mail enviado no dia 29 de agosto, quando Sacha Reck “dá boas notícias” sobre o andamento do processo licitatório na cidade para os empresários:
“[…] Uma boa notícia de Paranaguá é a de que eles já nos solicitaram o parecer da prorrogação do contrato por 180 dias, o qual já foi elaborado e enviado ao Dr. Émerson. Apenas para o conhecimento de vocês, segue em anexo a minuta do parecer. Acredito que o aditivo da prorrogação estará pronto para assinatura ainda nessa semana. Diante da assinatura desse termo aditivo e da concreta sinalização da Prefeitura sobre a iminência da publicação do edital de licitação, precisamos estar a postos com aquele levantamento de equilíbrio econômico-financeiro dos
últimos 5 anos” (Sacha Reck)
Já em e-mail do dia 26 de novembro de 2007, Sacha Reck encaminha a Émerson Fukushima, advogado da prefeitura de Paranaguá, o texto do aviso de licitação, que deveria ter sido elaborado pela prefeitura e não pelo advogado de um grupo interessado no certame. No mesmo e-mail, Sacha Reck dá orientações sobre as datas de publicação do edital e de abertura dos envelopes.
“Prezado Émerson, Segue, em anexo, aviso de licitação, para envio à publicação. Coloquei a data de abertura do dia 18 de janeiro, para evitar atropelos. Mas a publicação tem que ocorrer no máximo até segunda feira; ou seja, o aviso deve ser enviado à imprensa até quarta-feira”, diz Sacha Reck.
O advogado ainda sugere que os empresários donos da Viação Rocio falem direto com Baka Filho, para resolver possíveis “empecilhos”.
Ministério Público
A promotora do Ministério Público do Paraná (MP-PR) Leandra Flores afirmou que a investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) aponta que a organização criminosa também atuou em outras cidades paranaenses, como Guarapuava, Foz do Iguaçu e em Maringá.
Pontal do Paraná também está na lista
No litoral, além de Paranaguá, outra cidade em que é investigada a fraude na licitação do transporte coletivo é Pontal do Paraná, município em que a concessão é da Viação Oceânica Sul. Os documentos indicam que Sacha Reck, advogado da empresa Oceânica Sul, de Thell Adur, elabora ele próprio, minuta de edital de licitação para transporte escolar na cidade.
Na troca de e-mails, Sacha pergunta se os empresários querem fazer alguma modificação no edital e ainda pergunta quem é o “contato” na Prefeitura que será procurado, para viabilizar que o documento seja publicado conforme os interesses da Oceânica.
“Prezados Jorge e Thell, Segue, em anexo, minuta proposta para resolver o assunto do litoral. Favor analisar as questões em vermelho, para ver se vocês atendem. Precisamos ver quem será o contato na Prefeitura Municipal, para preencher algumas informações faltantes e assinar os pareceres e demais atos prévios à abertura do pleito. Segundo a Lei, o prazo mínimo entre a publicação e a entrega das propostas é de 08 dias úteis. Temos que verificar os dias úteis da Prefeitura de Pontal para programarmos a data de abertura. Penso que para nós o ideal era publicar o aviso do edital na terça feira. Ainda não anexei o projeto básico. Estou providenciando isso”, diz Sacha Reck.
Em 23 de dezembro de 2008, Sacha Reck encaminha nova versão da minuta de edital e informa aos donos da Oceânica que o documento precisa ser assinado pelo prefeito Rudisney Gimenes:
“Prezados, Em anexo, segue o documento com aquelas modificações que eu entendo possíveis, dentre as reivindicações de vocês. Segue, também o ato de justificativa, que deverá ser assinado pelo Gimenes e juntado no processo administrativo da licitação. Preciso que vocês consolidem e dêem OK nas questões que estão em vermelho, sobretudo relativas ao seguro. Vocês precisam arrumar umas duas empresas para fazerem orçamento de preço, para ser anexado ao processo. A Prefeitura precisa comprovar a nomeação do pregoeiro que conduzirá o processo. Com que vamos falar, dentro da Prefeitura???”, indaga Sacha Reck.
O que dizem os envolvidos
O então prefeito de Paranaguá na época, José Baka Filho, afirmou que a concessão do transporte coletivo da cidade foi licitada por meio de uma concorrência pública nacional, conforme a Lei de Concessões. Ainda segundo o ex-prefeito, a licitação foi conduzida por uma comissão especial, dentro dos prazos e com audiências públicas legais.
Baka disse também que o advogado Emerson Fukushima foi secretário jurídico de Paranaguá de janeiro de 2005 até março de 2006. “No período da licitação, não advogava para a prefeitura e não era meu advogado”, informou por meio de nota.
Já o advogado Emerson Fukushima afirmou não saber nada sobre o caso. Ele disse que foi advogado da Prefeitura de Paranaguá entre janeiro de 2005 e março de 2006, sendo que a licitação ocorreu entre 2007 e 2008. Fukushima ainda disse que advogou para José Baka Filho apenas durante as eleições, em 2004.
A Viação Rocio por sua vez, não comentou nada sobre o assunto.
Viação Oceânica Sul se manifestou
Por meio de nota, a Oceânica Sul informou que a empresa fazia parte do Conselho Municipal de Transporte e por obrigação deveria se manifestar a respeito das recomendações operacionais para garantir a segurança e estrutura necessária ao atendimento do transporte público.
“Das recomendações do Conselho Municipal de Transporte encaminhadas à prefeitura, cabia tão somente ao município analisar as questões apresentadas para decisões, visando sempre a segurança e bom atendimento ao transporte público. A empresa nunca interferiu em processos licitatórios internos da prefeitura”, diz um trecho da nota.
Segundo a empresa, das recomendações apresentadas como membro do Conselho Municipal de Transporte à época, a única acatada pela prefeitura foi a da regulamentação obrigatória dos veículos de acordo com a legislação do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
A Oceânica Sul ainda disse que a licitação, à época, foi disputada apenas com base no melhor preço apresentado: “sem critérios adicionais que supostamente pudessem favorecer terceiros ou direcionar resultados”, conforme trecho da nota.
A Prefeitura de Pontal do Paraná não informou os valores da negociação ou mais detalhes do suposto esquema. Segundo a prefeitura, é necessário mais tempo para se posicionar sobre o assunto, já que se trata de documentos antigos e da gestão passada.