Quase quatro anos após a primeira concessão de uma medida protetiva contra o ex-marido, a servidora pública Fernanda B. vive uma vida de medo e privações.
Ela afirma que o ex-companheiro, Bruno Vagaes, promotor de Justiça no Paraná, lotado no Ministério Público em Londrina, descumpriu a determinação judiciária em 101 ocasiões.
Descumprimentos e Medo
“Eu não tinha dimensão que seria assim. No decorrer do processo foram inúmeras provas, porque todo descumprimento eu fui relatando. Eu registrei, o máximo de provas que eu tinha, eu levei, e nunca aconteceu nada. Eu não entendia até onde iria isso, se precisaria da minha morte para fazerem alguma coisa”, relatou Fernanda ao G1.
Vagaes foi condenado a sete meses de prisão pelos descumprimentos e atualmente recorre em liberdade. Ele nega as violações da lei por meio de sua defesa.
Um Casamento e uma Medida Protetiva
Fernanda B. e Bruno Vagaes mantiveram um namoro de seis anos antes de se casarem em 2011. A primeira medida protetiva foi concedida em dezembro de 2019, enquanto ainda estavam casados, e determinava que Vagaes se afastasse da residência compartilhada, um imóvel que pertence a Fernanda. Ela alega que ele continuou no apartamento por mais tempo do que permitido, desobedecendo a ordem judicial.
Atos de Violência e Condenações
A servidora lembra que o episódio de violência que a levou a buscar ajuda ocorreu ao retornarem de uma festa de aniversário.
Vagaes tocou suas partes íntimas sem consentimento enquanto ela dirigia. No carro, estavam também a filha deles, na época com 2 anos, e um amigo de Vagaes.
Este incidente resultou na condenação de Vagaes a três anos de prisão por importunação sexual. Ele recorreu da sentença.
Defesa e Promotoria
A defesa de Vagaes alega que o acusado não teve nenhum contato com a vítima desde a renovação das medidas cautelares e que as acusações de descumprimento consistem em mensagens de WhatsApp não ameaçadoras.
Por outro lado, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) informa que, caso a condenação seja definitiva, poderá ocorrer o início de uma ação de perda de cargo por prática incompatível com o exercício da função. Desde a condenação, Vagaes não atua mais em casos relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Relato de Violência e Impunidade
Fernanda relata várias situações de violência e ameaças ao longo do relacionamento, que considera terem sido exacerbadas pelo consumo de álcool de
Vagaes. Ela se queixa da sensação de impunidade que acredita estar ligada ao cargo público ocupado por Vagaes.
O MP-PR, através de um comunicado público, afirmou que está em andamento uma apuração dos fatos relatados por Fernanda, reiterando que medidas administrativas foram tomadas para garantir a segurança de Fernanda e auxiliar nas investigações.
Atualmente, Fernanda se mantém em uma rotina restritiva, trabalhando em home office e evitando sair de casa, em uma tentativa de se proteger da contínua ameaça de violência. Enquanto isso, o processo judicial continua sob sigilo.
Leia a nota do MP-PR na íntegra
“A Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur) do Ministério Público do Estado do Paraná esclarece:
1. Todos os fatos noticiados, com reflexos criminais, foram ou estão sendo objeto de apuração no próprio Ministério Público, após instauração de procedimentos pela SubJur em razão do foro por prerrogativa de função do investigado (art. 40, inc. IV, da Lei Federal nº 8625/93).
2. Ditas apurações da SubJur já subsidiaram o oferecimento de duas denúncias criminais: (i) em 26/6/20, formalizada acusação de uma importunação sexual e de 49 descumprimentos de medida protetiva (cometidas de 11 a 15/12/19 via aplicativo de mensagem), ensejando condenação, em 6/2/23, após sustentações orais pela SubJur junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão e à pena de 7 meses e 23 dias de detenção, em regime aberto. Em 7/3/23, a SubJur opôs embargos de declaração, buscando o aumento da pena e alteração do regime; e (ii) em 9/8/22, formalizada acusação de 50 descumprimentos de medida protetiva (cometidas de 1/3 a 28/4/20 via aplicativo de mensagem), com o processo na fase da defesa perante o TJPR.
3. Referidas denúncias criminais foram possíveis porque, dentre outras diligências, a SubJur pediu ao TJPR a busca e apreensão de aparelhos celulares e autorização judicial para acesso aos dados telefônicos e telemáticos do investigado e da vítima (em 6/7/20), seguindo-se a realização de perícia e a constatação material dos fatos (em 29/3/21).
4. Os reiterados descumprimentos das medidas protetivas e a indevida intervenção do acusado nas investigações motivaram, a pedido da SubJur, a decretação de sua prisão preventiva (em 9/7/20), convertida em prisão domiciliar por imperativo do art. 40, inc. V, da Lei Federal nº 8.625/93 e, dada a posterior violação de seus respectivos termos, a imposição concomitante de monitoração eletrônica. Ditas cautelares foram revogadas por decisão judicial, em 17/9/20, mesmo com a oposição do Ministério Público. Por tal razão, houve a interposição pela SubJur de dois recursos ao TJPR e dois recursos ao Superior Tribunal de Justiça – STJ (sem, contudo, êxito no restabelecimento da prisão).
5. Além dos 99 fatos que já foram objeto de referidas ações penais, subsiste na SubJur apuração relativa a outros fatos noticiados em 13/3/23 (dois supostos descumprimentos de medida protetiva de proibição de contato com familiares da vítima), com diligências ainda em andamento (observado o prazo legal).
6. Paralelamente às medidas de responsabilização criminal (incluída a cautelar de prisão preventiva e monitoração eletrônica do investigado), outras providências, aliadas ao permanente atendimento da vítima desde 2019, foram adotadas pela SubJur para resguardo da integridade da ofendida: (i) oposição à revogação das medidas protetivas, mesmo diante de requerimento formulado pela própria vítima, em 20/4/20 (dado o possível comprometimento de sua manifestação de vontade); (ii) em 18/5/21, requerimento de concessão de “botão do pânico” em Londrina; (iii) aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Lei nº 14.149/2021), em 18/5/21 e em 31/5/23; (iv) promoção de “depoimento especial” para preservar a higidez psíquica e emocional da ofendida (Lei 11.340/2006); e (v) postulação de valor indenizatório para reparação dos danos morais e prejuízos psicológicos causados em razão dos crimes, acolhido pelo TJPR (art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal).
7. No âmbito administrativo, é preciso registrar: (i) a Corregedoria-Geral instaurou dois processos administrativos disciplinares (PADs) – um deles já julgado pela SubJur, com imposição de duas sanções disciplinares (cuja decisão foi mantida pelo Órgão Especial do Colégio de Procuradores). Além do segundo PAD (ainda em andamento), a condenação na esfera criminal, caso ocorrido o trânsito em julgado da sentença penal, deverá ensejar apreciação sobre eventual ajuizamento de ação de perda de cargo por prática incompatível com o exercício da função (art. 150, § 1º, inc. I, e § 2º, da LCE nº 85/99); (ii) tramita no Conselho Superior do MPPR procedimento destinado à verificação do estado de saúde do promotor de Justiça, com acompanhamento da Divisão de Saúde Ocupacional (art. 32, inc. VI, da LCE nº 85/99); e (iii) em virtude da condenação imposta na primeira ação penal e de decisão Procuradoria-Geral de Justiça, proferida após requerimento da SubJur, o promotor de Justiça não mais atua em matérias afetas à violência doméstica e familiar contra a mulher.
8. No âmbito cível, as ações relativas a divórcio, alimentos e guarda tramitam com a participação das Promotorias de Justiça com atribuições em primeira instância e das Procuradorias Cíveis com atribuições em segunda instância.
9. O Conselho Nacional do Ministério Público, em procedimento próprio instaurado a pedido da ofendida (em 12/7/22), acompanha as medidas adotadas pelo Ministério Público do Estado do Paraná em relação ao caso, cujas informações foram prestadas pela SubJur àquele órgão nacional de controle.
10. O sigilo imposto por ordem judicial às ações penais, voltado à preservação da intimidade da vítima (e não em decorrência do cargo ocupado pelo investigado), impede, por ora, o aprofundamento das demais questões fáticas. Caso seja revogado dito sigilo, informações detalhadas serão prestadas, em respeito à transparência inerente à atividade do Ministério Público.”
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