No dia em que Jair Bolsonaro foi protagonista de um desfile de veículos militares em frente ao Palácio do Planalto, a PEC do voto impresso, motivo de seguidas manifestações golpistas do presidente, foi derrotada pelo plenário da Câmara dos Deputados pelo placar de 229 a 218, com 1 abstenção.
Eram necessários ao menos 308 votos dos 513 deputados – 60% – para que a proposta de impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica fosse adiante. A quantidade de votos foi 79 votos a menos do que a necessária.
A votação desta terça-feira (10) enterra a proposta que mobilizou a escalada de ataques de Bolsonaro a integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e que agravou uma crise entre os Poderes, apimentada com a apresentação de blindados das Forças Armadas em Brasília, vista como tentativa de intimidação no dia de votação da PEC do voto impresso no plenário da Câmara.
Desde antes de assumir, Bolsonaro tem alimentado suspeitas contra as urnas eletrônicas, apesar de jamais ter apresentado qualquer indício concreto de fraude nas eleições. Baseado nessas falsas suposições, e em um cenário de queda de popularidade e de maus resultados em pesquisas de intenção de voto, já ameaçou diversas vezes a realização da disputa do ano que vem.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), disse ter ouvido de Bolsonaro o compromisso de que respeitaria o resultado do plenário –apesar da desconfiança inclusive de aliados do presidente.
DERROTA NO DIA DO DESFILE
A votação ocorreu horas após um desfile militar patrocinado por Bolsonaro, que reuniu na manhã desta terça cerca de 40 veículos, todos da Marinha, entre blindados, caminhões e jipes.
A parada militar passou ao lado da praça dos Três Poderes, onde estão o Palácio do Planalto (sede do Executivo), o Congresso Nacional (Legislativo) e o Supremo Tribunal Federal (Judiciário).
Interpretado como uma tentativa de demonstração de força do presidente no momento em que aparece acuado e em baixa nas pesquisas, o desfile foi alvo de uma série de críticas do meio político, sendo tratado como como mais uma tentativa do Planalto de pressionar outros Poderes e de buscar a politização das Forças Armadas.
Segundo o sistema da pesquisa da Câmara, a última vez em que o plenário rejeitou uma PEC integralmente foi em março de 2017 – a proposta que possibilitava universidades públicas cobrarem por cursos de extensão e de pós-graduação latu sensu. Foram 304 votos a favor da PEC à época, quatro a menos que o mínimo necessário.
Estatísticas oficiais da Casa mostram que nenhuma PEC foi rejeitada em 2018 e 2019. A reportagem pediu à Câmara um levantamento no final da tarde desta terça sobre 2020 e 2021, mas as informações não foram reunidas até a conclusão desta reportagem. Presidente da Câmara de 2016 até janeiro deste ano, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que não houve nenhuma PEC rejeitada pelo plenário da Câmara em 2020 e 2021.
BANCADAS RACHADAS
Nesta terça, apesar da convicção de líderes de que a PEC seria derrotada, dirigentes partidários tiveram de entrar em campo para manter votos contra a proposta após constatarem divisão em diversas bancadas.
Os deputados do PSD, por exemplo, pediram para votar como quisessem após reunião com o presidente da legenda, Gilberto Kassab. Embora Kassab tenha feito apelo para que eles se posicionassem contra a matéria, a bancada estava rachada. Na hora da votação, PSD orientou seus deputados a votar contra a PEC. Além dele, outros presidentes de partidos atuaram para evitar votos favoráveis à PEC.
O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, só colocou em votação a proposta quando teve a certeza de que a PEC seria rejeitada. Para isso, segundo deputados relataram à reportagem, ele próprio atuou para que parlamentares favoráveis ao texto não votassem.
Na avaliação de deputados, a divisão nas bancadas ocorreu porque as cúpulas partidárias demoraram a mobilizar as bases contra a PEC. Aliado a isso, nos últimos dias, principalmente, houve forte pressão de bolsonaristas para que os parlamentares aprovassem a proposta por meio de mensagens no WhatsApp e nas redes sociais.
Muitos deputados acabaram se posicionado publicamente para dar resposta às bases eleitorais e, nesta terça, decidiram não voltar atrás.
A votação desta terça teve Lira, que é aliado de Bolsonaro, como principal patrocinador. O parlamentar afirma ter obtido do presidente o compromisso de que ele irá respeitar o resultado desta terça e irá cessar os ataques ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.
Lira colocou o projeto do voto impresso em análise no plenário mesmo com a proposta tendo sido rejeitada por 23 votos a 11 na comissão especial –passo anterior da tramitação–, o que não é usual.
Seu argumento é o de que o assunto, pela proporção que tomou, precisava de uma decisão mais representativa do universo dos parlamentares.
Nos bastidores, membros das cúpulas dos Poderes negociam um prêmio de consolação ao bolsonarismo, que seria a adoção de uma medida administrativa ampliando o número de urnas eletrônicas que hoje são sorteadas para passarem por teste de integridade –atualmente cerca de 100 de um universo de cerca de 500 mil urnas eletrônicas.
Apesar de Bolsonaro ter prometido aceitar o resultado do plenário, a avaliação de auxiliares palacianos é que o presidente vai continuar insistindo no tema. A derrota, ainda que com uma margem menor do que o previsto inicialmente, deve servir para reforçar o discurso de “vítima do sistema”.