Uma denúncia apresentada ao Ministério Público do Paraná e ao Tribunal de Justiça do Estado revela uma suspeita de fraude que pode ter lesado os cofres públicos em até R$ 4 milhões.
A denúncia tem como alvo o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (Fundepar), órgão do Governo do Estado, o ex-presidente do instituto, José Maria Ferreira, que foi nomeado no cargo pelo governador Ratinho Junior, e a empresa de alimentos D’Mille, sediada em Ibiporã, na região metropolitana de Londrina.
José Maria é ex-prefeito de Ibiporã e atualmente é candidato ao cargo na cidade. Documentos e declarações do próprio José Maria obtidos com exclusividade pelo Portal 24Horas provam que ele tinha relações com o proprietário da empresa D’Mille, o empresário Nelson Júnior Rossato, que chegou a ser cotado para ser candidato a vice-prefeito de José Maria.
A D’Mille foi a empresa escolhida pelo Fundepar, que era presidido pelo ex-prefeito, para fornecer a merenda escolar. A compra foi feita por meio de dispensa de licitação, procedimento menos burocrático, mas geralmente usado em valores menores. Por causa da pandemia de coronavírus, que declarou estado emergência no Paraná, as compras sem licitação estavam autorizadas pelo governador Ratinho Junior (PSD), para facilitar a aquisição de insumos para combate à Covid-19.
Um dia depois da assinatura do contrato entre a Fundepar e a D’Mille, no dia 05 de maio deste ano, um novo decreto estadual limitou as compras sem licitação em até R$ 100 mil, exceto para a compra de insumos e equipamentos para a saúde. Valor muito abaixo do preço pago pela Fundepar à empresa de Nelson Rossato pela merenda escolar.
INVESTIGAÇÃO
O jornalismo investigativo do Portal 24Horas apresentou a denúncia no Ministério Público Estadual e por meio de advogados, encaminhou ainda uma ação civil pública pedindo o bloqueio dos pagamentos, que são feitos pelo Governo do Estado. O processo que corre no Tribunal de Justiça teve liminar negada porque, segundo a Justiça, os valores já foram pagos à D’Mille.
Os documentos da denúncia encaminhada ao MP e ao Gaeco sustentam que há suspeita de beneficiamento ilícito e troca de apoio político entre José Maria e Nelson Rossato, que também declarou apoio à eleição dele em Ibiporã, e ainda chegou a efetuar a doação de R$ 6 mil a Tiago Ranieri, do Partido Liberal, que compõe a chapa com o ex-presidente do Fundepar e ex-deputado estadual José Maria Ferreira. Os dados estão no DivulgaCand e podem ser conferidos clicando aqui.
Ranieri seria primo de Rossato, segundo a apuração.
Em um vídeo anexado como prova no processo, José Maria reiterou solidariedade a Rossato e confirmou a intenção inicial de indicá-lo a vice na campanha deste ano.
ASSISTA:
Do outro lado, o empresário Nelson Junior Rossato, que recebeu o pagamento de quase R$ 4 milhões autorizado por José Maria, agradeceu a lembrança e declarou apoio à campanha do ex-presidente do Fundepar.
Em 11 de agosto, três meses após o contrato milionário entre a D’Mille e o Fundepar, o empresário agradeceu o ex-prefeito e disse que estaria disposto a trabalhar e que José Maria teria seu apoio.
LEIA:
CONTRATO MILIONÁRIO
Foi o próprio José Maria que assinou o contrato entre o Fundepar a D’Mille. O documento confirma a dispensa de licitação e apresenta a assinatura do então presidente do instituto e de Nelson Junior Rossato. Com sede em Curitiba, o Fundepar poderia ter escolhido entre empresas de 399 municípios do Paraná para a compra.
Mas, contrário disso, o órgão público cujo a gestão compete ao Governo do Paraná prestigiou a empresa de uma pessoa próxima do presidente nomeado do Instituto, que é cargo de confiança do governador.
A suspeita apontada na denúncia é que o contrato tenha sido direcionado para beneficiar potenciais apoiadores eleitorais ou até mesmo financeiros de José Maria em uma eventual candidatura, o que acabou se evidenciando com a declaração de Rossato nas redes sociais.
Além disso, o contrato milionário por meio de dispensa de licitação reforça essa suspeita.
VEJA UM TRECHO DO DOCUMENTO:
Caso houvesse a licitação normal, em situações normais, uma concorrência pública seria aberta e empresas ofertariam os mesmos produtos por valores até menores, já que o que vale em uma licitação é o menor valor pela aquisição de um produto ou a contratação de serviços de empresas privadas. A dispensa de licitação, por outro lado, abre margem para beneficiamento ilícito e tráfico de influência, além de práticas de corrupção e desvios de dinheiro público.
Outra suspeita apontada é que o contrato entre a D’Mille e a Fundepar foi publicado com data retroativa, uma vez que a assinatura teria sido um dia antes da determinação do governo no dia 06 de maio em limitar em até R$ 100 mil as compras sem licitação (exceto às relacionadas a saúde). Segundo o contrato, a autorização para a dispensa foi publicada em Diário Oficial no dia 04, ou seja, um dia antes do contrato ser consolidado.
OUTRO LADO
A reportagem tentou contato com José Maria por meio de seu celular para que ele comentasse sobre o assunto, mas até o fechamento da matéria, ele ainda não havia se posicionado em relação aos questionamentos. Cerca de 30 minutos após a publicação da reportagem, ele declarou no Facebook que as denúncias são caluniosas e falsas, e teriam sido plantadas.
Ele cita nominalmente o jornalista Derick Fernandes, que assina a reportagem, e o ataca moralmente, mas sem explicar os critérios que levaram a escolha da empresa, e a assinatura do contrato.
Entre os questionamentos feitos pela reportagem, está a dúvida sobre qual seria o grau de proximidade de José Maria e Rossato, e qual foi o critério usado pelo Fundepar para escolher a empresa de Rossato.
NELSON ROSSATO SE MANIFESTA
Em contato telefônico com a reportagem, o empresário Nelson Júnior Rossato , dono da D’Mille Alimentos, negou as denúncias, mas confirmou que tem relações políticas com José Maria Ferreira desde 2004, quando se candidatou a vereador pelo PMDB, mesmo partido de Ferreira à época. “Eu tenho referências do Zé Maria como político desde que eu tinha 9 anos de idade. Eu me criei em Ibiporã e pra mim ele sempre foi uma figura admirada“, justificou.
Rossato negou, porém, que os valores pagos à D’Mille tenham sido desviados. Ele afirma que participou de uma concorrência pública e que ofereceu os menores valores para a venda dos alimentos à Fundepar. “Foi uma compra dividida por lotes, e eu ganhei o menor lote que atende 33 municípios, no valor de quase R$ 4 milhões; Nós distribuímos cerca de 25 mil kits de merenda nesses municípios, para pessoas beneficiárias do Bolsa Família“, declarou.
O empresário taxou como absurda as suspeitas e disse que essa foi a primeira vez que ele efetuou uma venda ao Fundepar. A reportagem questionou o motivo dessa participação ter acontecido justamente em um contrato sem licitação.
“Isso é uma situação constrangedora. Eu participo de licitações em todo o estado, mas nunca havia participado do Fundepar antes. Se houvesse essa mancomunação eu teria vendido antes, mas eu não tenho condições de atender o Instituto em sua totalidade, então agora, como foi uma situação menor, nós nos colocamos à disposição”, disse Nelson Rossato.
Rossato ainda negou todas as informações de beneficiamento político, mas assumiu que se colocou à disposição para disputar as eleições como candidato à vice de José Maria. “As minhas declarações de apoio estão lá, estão publicamente nas minhas redes sociais. Eu realmente coloquei meu nome à disposição, eu era presidente do Partido Liberal (PL) mas fui vítima de um golpe e tiraram o partido de mim, com isso, o José Maria veio falar comigo, e eu até fui na casa dele, e me disse que não poderia me escolher vice agora“, disse.
O empresário disse que está a disposição para esclarecimentos.