Personalismo: Quando o personagem é mais importante do que a política

Pablo Marçal e Tiririca são exemplos da valorização que a população dá à criação de personagens na política

Matheus Crobelatti
6 min de leitura
(Montagem de fotos de Pablo Marçal e Tiririca. Crédito das fotos: Renato Pizzutto/Band e Jorge William / Agência O Globo)
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Pensadores das ciências sociais, como Charaudeau, acreditam que o discurso político deve conter, principalmente, legitimidade, credibilidade e um ethos sério (ethos é a imagem ligada àquele que fala). Porém, nos últimos anos, países como os EUA, Brasil e Argentina mostram um cenário diferente. Valoriza-se o personalismo político, que se manifesta quando um líder político encontra respaldo por meio de seu carisma e personalidade, sem depender ou responder às estruturas e instituições tradicionais de representação, como, por exemplo, partidos. 

Um nome em destaque por usar a estratégia do personalismo é o do ex-coach e político do PRTB, Pablo Marçal. O candidato a prefeito de São Paulo está empatado em primeiro lugar com Guilherme Boulos em torno de 24% nas intenções de voto, segundo a pesquisa Atlas (11/09). Marçal decolou nas pesquisas após sua participação nos debates televisivos que iniciaram em agosto. Ele não discute propostas plausíveis de governo nos debates, mas mesmo assim, consegue sucesso com o público devido a discursos diretos e acessíveis, que alimentam o imaginário conservador e não exigem reflexão.

Durante a transmissão do programa Roda Viva, da TV Cultura (02/09), por exemplo, quando perguntado pela jornalista Malu Gaspar sobre um depoimento do candidato no Flow Podcast de criar um personagem para agradar o público, ou seja, fingir ser algo que não é, Marçal não respondeu a pergunta, invés disso, rebateu uma notícia da Malu, que supostamente, ela teria mentido e inventado sobre a intenção dele de criar um novo partido com Jair Bolsonaro. Depois, começou a argumentar sobre fake news, que de novo, não foi o que foi perguntado. 

O professor Clayton José do Nascimento, formado em ciências sociais na Universidade Estadual Paulista (UNESP) explica a força que o discurso do Marçal tem.

É o discurso mais fácil de digerir. Pensar é uma das atividades mais complexas que o ser humano pode ter. Ninguém quer pensar.” e “tudo isso é pauta comportamental, eles nunca falam diretamente do assunto. (…) É uma forma de você desviar o foco do assunto. (…) E aí não tem discussão, não tem aprofundamento. (…) O Marçal tem a narrativa do inenarrável e representa valores conservadores igual o que o Bolsonaro fez até chegar a eleição. (…) Isso tudo é criação de personagem.”

Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como o personagem Tiririca, é outro exemplo de personalismo, em que o personagem é mais conhecido do que a pessoa. Humorista consagrado da televisão brasileira, lançou-se candidato a deputado federal com sua famosa frase “pior que está, não fica”, em São Paulo, em 2010, pelo Partido da República (PR), sendo o mais votado com 1,353 milhão de votos, segundo o TSE. Clayton diz que:

Tiririca é uma construção ideológica que vai ser desenvolvida como o antissistêmico, o antipolítico. (…) tem uma fala dele, quando perguntaram se ele sabia o que um deputado fazia, ele responde: não! mas vota em mim que eu te conto. É uma proposta antipolítica.”

As atitudes e falas deste políticos, porém, não são estúpidas. Eles, na verdade, sabem captar muito bem a desconfiança e desconexão da população em relação aos partidos políticos. Aquela velha história que “político só rouba” é usada pelos candidatos para desestabilizar a política e ganhar votos, e isso funciona de forma muito eficaz, devido ao descontentamento popular causado por uma crise de representação que países como o Brasil sofrem desde sempre. Como Clayton diz, isso é uma estratégia antipolítica

O eleitor que é insatisfeito e acha que tem as rédeas na mão (…) fala: por que eu vou ficar votando em político se esses caras são todos ladrões? (…) Eles (Tiririca e Marçal) constroem esse personagem justamente pegando esse gancho. 

A CRISE DE REPRESENTAÇÃO DO BRASIL É, NA VERDADE, UMA CRISE NA DEMOCRACIA 

O sentimento que muitos têm da falta de representação nas decisões políticas evidencia a desconexão entre o sistema político e a população. O conceito de democracia, que todos têm o direito de participar igualmente nas decisões do país, é falho porque, desde o Império, o povo brasileiro não formou um verdadeiro “sujeito político”, ou seja, não participa plenamente da vida política. As elites sempre dominaram e centralizaram o poder da escolha, o que coloca a população à margem de um sistema que favorece a passividade e individualismo. 

Essa crise se reflete na descrença nos mecanismos de participação e na representatividade, com os cidadãos vendo o Estado como defensor de interesses privados, e não populares. Por isso, estratégias antipolíticas ganham força, e principalmente, votos.

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