Quem é o povo?

Por Redação Deixe um comentário 6 min de leitura
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Nas manifestações do dia 03 de maio o Presidente da República afirmou que as Forças Armadas estão com o povo. No mesmo sentido há aqueles que dizem que em 1964 o povo clamava por intervenção militar e, por isso mesmo, o ato foi legítimo. Da mesma ordem, mas com outra expressão, é possível encontrar por vezes ministros do STF que, ao decidirem causas complexas, dizem que ao julgar, estão ouvindo a “voz das ruas”. Não é incomum também ler e ouvir na imprensa que determinada decisão política está mais ou menos adequada a uma suposta vontade popular.

Diante disso tudo, pergunto: afinal de contas, quem é o povo? Quem representa a vontade popular? O que é a voz das ruas?

Todas estas expressões remetem à vontade do povo; povo que é tão importante na democracia.

As manifestações de apoio ou de crítica ao governo representam a vontade do povo? E as manifestações contrárias ao STF também representam?

A resposta só pode ser um sonoro não!

Manifestações com muito ou poucas pessoas não representam o povo, e não o representam por uma questão bem simples: para que algo possa ser a vontade do povo todas as pessoas deveriam querê-lo, se uma única pessoa não o quis, já não é a vontade do povo, mas sim a vontade da maioria da população, isso não deslegitima a vontade, mas não é a vontade do povo. A diferença parece preciosismo, mas na prática é importante, pois se alguém diz que está amparado na vontade da maioria, isso o remete a um argumento quantitativo e nem sempre isso é possível de demonstrar sem um procedimento pré-estabelecido. Com a expressão “vontade do povo” é mais fácil, pois nem povo e nem vontade são plausíveis, detectáveis ou aferíveis logicamente.

A vontade da maioria, isso sim, pode ser materializada, mas para valer deve estar amparada em um procedimento válido e reconhecido pelo Direito. A questão não é simples, mas é possível de explicar com uma analogia. Nas eleições para Presidente, os vencedores são aqueles que recebem mais votos, pois alcançaram a maioria de votos válidos. Entretanto, a maioria da população não necessariamente elegeu este ou aquele candidato. Se juntarmos os que votaram no outro candidato e os que deixaram de votar em ambos (votos brancos ou nulos), provavelmente o número será maior, ou seja, quantitativamente a maioria da população não quis este ou aquele candidato.

Contudo, no exemplo acima há um procedimento previamente estabelecido, com o qual é possível aferir o que a maioria das pessoas, dentro de determinado critério, escolheu algum candidato. As eleições que adotam um sistema majoritário estão fundadas no critério de contagem dos votos válidos, quem tiver mais votos vence.

Note-se que o art. 1º, parágrafo único da CF/88 estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O referido artigo consagra o princípio democrático, o qual deixa evidente que no Estado brasileiro é o povo o titular do Poder estatal e não qualquer pessoal que ocasionalmente ocupe um cargo público, seja de que escalão for. Acontece que o exercício deste Poder não se dá pelo próprio povo, mas sempre em seu nome por meio de representantes eleitos por este próprio povo, através de procedimentos eleitorais. O exercício direto do Poder estatal se dá também por meio de mecanismos e procedimentos previamente estabelecidos na legislação e na Constituição, estes mecanismos são o plebiscito, referendo e iniciativa popular.

A forma de manifestação popular se dá através do voto em eleições, consultas populares (plebiscito ou referendo)  ou elaboração de legislação (iniciativa popular). Em todos este mecanismos o critério para identificação da  vontade popular é a maioria de votos, exceto no caso de eleições proporcionais, cujo critério é outro.

As pessoas nas ruas servem como mecanismo de pressão popular, aliás um mecanismo muito importante nas democracias. A cobrança dos agentes públicos é essencial nas democracias e principalmente em países republicanos, onde a coisa pública é fundamentalmente do povo (res pública=coisa pública), mas não é o critério que determina o que o povo quer.

Assim, usar como argumento para qualquer decisão publica a vontade do povo é, ao mesmo tempo, falacioso e vago, o povo que tudo quer nada escolhe e nada define, ao fim e ao cabo, o que determina o que o povo quer é a obediência das normas previamente estabelecidas, pois estas são as regras do jogo democrático. Alguém pode dizer que as leis podem ser injustas ou arbitrárias, isso é verdade, mas para isso existem mecanismos de participação direta do povo como a iniciativa popular de leis, há também eleições periódicas e, por fim, a praça para manifestação, mas neste último caso apenas como indicio de que algo não vai bem, não como forma de manifestação do poder do povo ou da vontade deste ser indescritível e ao mesmo tempo tão significativo da democracia, o povo.

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