A discussão sobre a liberdade de manifestação do pensamento e a sua relação com as notícias falsas tem ganhado as primeiras páginas na mídia nacional, muito em razão das operações da polícia Federal em inquérito conduzido pelo STF.
É de conhecimento comum daqueles que manejam a ciência do Direito que os direitos (fundamentais ou não) não são absolutos, e não o são por várias razões, mas, principalmente, porque são exercidos em conjunto com outros direitos e liberdades, o que exige compatibilização, para o exercício de ambos os direitos da forma mais ampla possível.
Sendo assim, é possível afirmar de forma tranquila que a liberdade de manifestação do pensamento não é absoluta e, portanto, pode sofrer restrições. Restringir um direito pode ser entendido como a diminuição do seu alcance, mas também pode significar a retirada determinadas condutas do rol de exercício de determinada liberdade ou direito.
Antes de desenvolver um pouco mais a ideia de restrição, é importante deixar claro o que o Direito brasileiro estabelece como liberdade manifestação do pensamento. Pode-se afirmar que esta liberdade está relacionada com outras liberdades, como a de expressão, de informação e a de consciência.
A liberdade de manifestação do pensamento está prevista no art. 5º, IV da Constituição com o seguinte texto: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Por aí já se pode afirmar que é uma restrição à liberdade de manifestação do pensamento a manifestação que seja feita de forma anônima, visto que o anonimato é proibido.
A Constituição ainda estabelece no art. 5º, V que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Desta forma, parece claro que mesmo que se esteja exercendo um direito fundamental, o seu exagero pode acarretar danos e tais danos devem ser indenizados.
O sistema brasileiro também criminaliza condutas diversas que decorrem da liberdade de manifestação do pensamento tais como os crimes de injuria, calúnia e difamação (código Penal); a incitação de militares à “desobediência à lei ou infração à disciplina” (lei 1079/50); “propalar fatos, que sabe inverídicos, capazes de ofender a dignidade ou abalar o crédito das forças armadas ou a confiança que estas merecem do público” (Código penal militar) e “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou sócia ou de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa” (lei 1.170/83), dentre vários outros crimes.
Desta forma, a existência de crimes que são praticados pela manifestação do pensamento indica que não se pode manifestar tudo o que se pensa, pois quando o faz, isso pode acarretar danos a outras pessoas ou a prática de crime, ambos se configuram restrições a liberdade de manifestação de pensamento. Deve-se sempre lembrar de que o exercício de uma liberdade encontra limites em outros direitos e liberdades, igualmente fundamentais, dentre os quais se pode citar a intimidade e a vida privada, para ficar em apenas dois.
Por fim, vale ressaltar que, por vivermos em uma democracia, a Constituição veda a censura prévia, ela permite que as pessoas manifestem o seu pensamento sem passar por um crivo prévio de validade ou autorização, mas se ao fazer o uso desta liberdade houver abuso, implicando prática de crime ou gerando danos a outras pessoas ou instituições, então a liberdade de manifestação de pensamento foi extrapolada e merece atuação firme do Estado para corrigir os excessos.
Promover mentiras, destruir reputações e fazer ameaças pode até ser considerada uma liberdade das pessoas, mas o seu exercício implica sanção e, portanto, trata-se de uma liberdade que encontra seus limites em outros direitos, como não há hierarquia entre estes direitos, é bem provável, em uma ponderação, que a mentira perca para verdade e a torpeza para a lealdade. A liberdade de manifestação do pensamento não pode ser escudo para a prática de crimes.