Curitibano viaja 15 mil km sozinho pela América do Sul com um Fiat 147

Derick Fernandes
Por Derick Fernandes Deixe um comentário 14 min de leitura
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O curitibano aposentado Alberto Carlos Fröhlich, de 67 anos, decidiu viajar sozinho pela América do Sul a bordo de um Fiat 147. Foram 15 mil quilômetros no total, entre Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, Chile, Paraguai e Uruguai.

A viagem durou cerca de 45 dias e foram R$ 9 mil gastos. “Não tem preço que pague. Foi um presente para minha vida. Pessoas, paisagens e experiências espetaculares. Não estava me importando com o custo, apenas com o prazer que eu estava sentindo. Eu nunca vou esquecer”, relatou ele.

Para Alberto nada disso seria tão especial se não estivesse ao lado de seu companheiro, o autito — carro pequeno em espanhol, como muitos carinhosamente chamaram o Fiat 147 — de 1980, na viagem.

Para quem já trabalhou em circo, fábrica de brinquedo, foi comerciante e até padeiro, a aposentadoria estava muito tranquila. “Eu queria fazer algo diferente, mas não planejei nada para isso”, contou ele.

Seu Alberto mora no mesmo bairro em que nasceu, nas Mercês, em Curitiba. Ele é casado há 43 anos, tem três filhos e dois netos.

O aposentado viajou apenas com uma mala de roupas, uma caixa de ferramentas, um colchonete, barracas e outros objetos.

Durante toda a viagem, o aventureiro abaixava os bancos de trás e dormia dentro do carro. Ele procurava campings para tomar banho e fazer as refeições, raramente feitas em restaurantes. O aposentado gostava mesmo era de fazer um estoque no carro com água e o básico de comidas.

“Eu só sei fritar ovo, então não podia depender de cozinhar. Comia em postos de combustíveis, comprava coisas no mercado e muitas vezes ganhei refeições. A receptividade que tive foi impressionante”, disse Alberto.

Apesar de estar sem uma companhia além de seu carro, o viajante diz que ter viajado sozinho deu a ele mais liberdade para fazer o que queria — desde comer churrasco de lhama, queijo de cabra, até não se importar em tomar banho de garrafas pet algumas vezes. “Viajei 15 mil quilômetros só com um mapa da América do Sul no carro, para pegar uma multa na volta, chegando em casa, na Rua Mariano Torres, no Centro”, brincou ele.

Mudança de planos

A viagem ocorreu de uma forma completamente diferente do que havia sido planejada. A ideia era levar de carro o filho, a nora peruana, e um amigo peruano do casal até Lima, no Peru, para passarem o Natal com os familiares dela.

No entanto, ainda no Brasil, em Foz do Iguaçu, o filho de Alberto começou a ficar preocupado com os documentos, com o peso do carro, já que o trajeto tinha muitas subidas, além do medo de não chegar a tempo para o Natal. “No fim, eles desistiram da viagem, me largaram lá, eu e o carro sozinhos. Eles tiraram as bagagens do carro e sumiram. Eu fiquei chorando”, contou ele.

Mesmo triste, Alberto foi incentivado por pessoas da cidade a seguir a viagem. No dia seguinte foi para o Paraguai, onde comprou várias “bugigangas”, como ele mesmo chamou.

Pé na estrada

Seu Alberto relatou que pensou muitas vezes em desistir e voltar para casa, mas sempre tinha alguém que o mantinha firme na missão.

O segundo destino foi a Argentina, onde comprou mais dólares, fez seguro e documentos necessários para seguir mais adiante.

Quando chegou em Pampa del Infierno, Alberto precisou andar com o capô do carro semiaberto, com uma garrafa impedindo fechar, para não superaquecer. Conforme um morador de lá, em fevereiro a temperatura na região atinge os 50º, e naquele momento já estava em 42º.

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Embalse El Yeso, em San Jose de Maipo, no Chile — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

“Nossa, passei um calor louco! Como os bancos do Fiat são de couro, pegava garrafa de água e jogava em cima de mim dirigindo”, contou Alberto.

Ainda na Argentina, Alberto foi passear a pé e deixou o carro em um estacionamento. Horas depois, percebeu que não sabia mais onde estava e, muito menos, onde ficava o estacionamento que havia deixado o Fiat. “Perdi o carro! Tive que refazer todo o percurso, andei por umas duas horas até que finalmente achei”, disse.

Em outro dia, o “pepino” foi outro, segundo ele. Depois de ir passear em um mercado público, foi procurar o celular para tirar algumas fotografias, quando percebeu que não estava mais com o aparelho. “Fucei a mochila, a roupa, tudo e não achei. Fui roubado, em Salta. Avisei a família e segui”, relatou.

Alberto foi à polícia registrar o boletim de ocorrência, e até viu nas câmeras de segurança do mercado o roubo acontecendo, mas não conseguiu resgatar o aparelho. Para voltar até o carro, ele ganhou dos policiais uma carona.

Em um dos dias da viagem, uma senhora simpatizou com o carro de Alberto e lhe ofereceu um jantar, de graça. “Estava muito gostoso, conheci o marido dela também. Me deram até vinho”. Em Purmamarca, ainda na Argentina, experimentou na beira da estrada o churrasco de lhama e o queijo de cabra.

Como depois de dias ainda estava sem celular, foi orientado a ir à Bolívia para comprar o novo aparelho. Chegando lá, pesquisou preços e comprou um novo telefone. “Para que a polícia não recolhesse o celular novo por contrabando, nem levei a caixinha e tirei várias fotos para dar entender que já era usado há muito tempo”, confessou ele.

O aposentado conta que ainda na Bolívia, com as estradas malconservadas, o pneu estourou. Ele colocou o estepe e saiu rodando, mas com medo de perder outro pneu. “Não encontrei o aro 13 que precisava na Bolívia e, então, resolvi voltar para a Argentina”, disse.

Velório e lhamas

Já na Argentina, Alberto ouviu um sino tocar e pensou “vou na missa”. Chegando na paróquia, a igreja estava cheia de gente, e como não entendia o idioma direito demorou para perceber que a celebração na verdade se tratava de um velório. “Fui espiar no meio dos corredores, quando vi um caixão. Eu estava no meio de um velório de alguém que nem conhecia. Fiquei mesmo assim, acompanhei até o enterro. Na verdade se tratava de um descendente de inca. Foi legal, diferente”, contou ele.

Outra coisa inusitada que o aposentado contou foi que, em uma das paradas para abastecer, entrou na loja de conveniência para comprar alguns biscoitos, água e pão, quando duas lhamas entraram no estabelecimento. “Do nada dois bichos daqueles gigantes estavam no mesmo ambiente que eu. Foi muito doido. Fiquei assutado demais, mas foi divertido. A dona da loja começou a tocar elas de lá de dentro”, relatou Alberto.

Lhamas em Susques, Jujuy, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Lhamas em Susques, Jujuy, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

“Família, tô preso”

No Chile, Alberto chegou a cidade de Sierra Gorda e, como havia dirigido muito, decidiu parar em um posto de polícia para perguntar se havia algum lugar para dormir por perto.

No mesmo instante, os “carabineros”, como são chamados os policiais chilenos, abriram o pátio e mandaram ele colocar o carro lá dentro. “Eu pensei: agora ferrou, né!”, contou o aposentado.

Na verdade, os policiais estavam acolhendo ele. “Eles me mostraram o alojamento, uma máquina de lavar e falaram que enquanto eu tomasse um banho quente, eles iriam preparar uma janta típica do Chile para mim. Pensa só que solidários, fiquei emocionado. Eu confesso que a comida não era aquelas coisas, mas me apeguei neles”, disse.

Na mesma noite, os carabineros deram a ideia de sacanear a família de seu Alberto, fazendo uma chamada de vídeo estando dentro do batalhão. “Eles me passaram a senha do Wi-Fi, e como já estava com o celular novo, liguei para a família e falei: ‘tô preso’. Eles me viram rodeados de policiais e ficaram assustados, perguntando o que eu tinha feito para estar preso. Foi engraçado, pelo menos para mim”, relatou.

Antes de sair do batalhão, os policiais ainda deram para seu Alberto um galão para colocar combustível.

Com os amigos "carabineros" do Chile, que hospedaram Alberto no batalhão — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Com os amigos “carabineros” do Chile, que hospedaram Alberto no batalhão — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Depois disso, o aposentado chegou a ir para o Peru, mas não quis ir até Lima para não gerar confusão com a família, já que esse era o destino inicial de todos.

Solidariedade

Depois de ser tão ajudado durante a viagem, seu Alberto relatou que em um dos dias, no meio do nada, viu um caminhão gigante parado sem bateria e com o capô aberto.

“Parei para tentar ajudar de alguma forma. Pegamos uns cabos para a ligação direta e conectamos a bateria do caminhão à do Fiat, e deu certo. O meu pequeno autito levantou o caminhão gigante. Fiquei feliz”, contou ele.

Mais tarde, ele parou em um monumento chamado La Mano del Desierto, onde tirou fotos, passeou bastante. Porém, na hora de dar a partida no carro, a chave não virava e o volante estava travado. “Antes de chegar ali o carro só fazia ‘nhoim, nhoim’, depois nem ligava mais. Precisei desmontar a ignição dando umas pancadas nas peças. Consegui depois de horas, mas deu certo”, brincou.

Conforme Alberto, a viagem teve mais milhares de histórias e, quem sabe daqui um tempo ainda viram um livro.

“Bom mesmo é ter vivido tudo isso. Não tem nem como contar tudo o que aconteceu, até porque só estando em tantos lugares para sentir a energia. Agora eu posso dizer que vivi de verdade, foi mágico. A melhor experiência”, relatou.

Monumento La Mano do Desierto - Antofagasta — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Monumento La Mano do Desierto – Antofagasta — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Próxima aventura

De acordo com ele, se pudesse, a próxima viagem seria em breve. “O carro está preparado e já tenho dólares. Só falta comprar uns pneus. Meu sonho seria fazer uma viagem de três gerações, eu, um filho e um neto, mas sei que isso é mais difícil”, relatou.

Ele disse que pretende planejar a próxima viagem com a esposa Célia a bordo de uma espécie de “perua” do Fiat 147, que ele mesmo está reformando.

“Não sei se ela vai topar, mas quero inspirar e incentivar outras pessoas a sair do comodismo, a se aventurar mais para ter experiências diferentes”, completou Alberto.

Para Alberto nada seria tão especial se não estivesse ao lado do companheiro, o autito — Foto: Natalia Filippin/G1

Para Alberto nada seria tão especial se não estivesse ao lado do companheiro, o autito — Foto: Natalia Filippin/G1

Vale de la Luna, em San Pedro de Atacama, no Chile — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Vale de la Luna, em San Pedro de Atacama, no Chile — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Salinas Grandes em Jujuy, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Salinas Grandes em Jujuy, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Alberto Fröhlich em Jujuy, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Alberto Fröhlich em Jujuy, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

El Hornocal na Quebrada de Humauaca, em Jujuy na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

El Hornocal na Quebrada de Humauaca, em Jujuy na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Para Alberto nada seria tão especial se não estivesse ao lado do companheiro, o autito — Foto: Natalia Filippin/G1Para Alberto nada seria tão especial se não estivesse ao lado do companheiro, o autito — Foto: Natalia Filippin/G1

Para Alberto nada seria tão especial se não estivesse ao lado do companheiro, o autito — Foto: Natalia Filippin/G1

Ruta del Desierto, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Ruta del Desierto, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Província de Mendoza, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

Província de Mendoza, na Argentina — Foto: Arquivo pessoal/Alberto Carlos Fröhlich

 

 

Fonte: G1 | Natalia Filippin

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Jornalista
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Derick Fernandes é jornalista profissional (MTB 10968/PR) e editor-chefe do Portal i24.
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