Filho conhece pai aos 19 anos e ajuda livrá-lo do crack

Derick Fernandes
Por Derick Fernandes Deixe um comentário 7 min de leitura
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O brasiliense Leonardo Pereira Roque sonhava em descobrir a própria origem e em ter o nome do pai nos documentos. A vontade apertou agora, que a mulher dele está grávida.

Soldado do Exército, o militar foi criado pela avó materna. Ele pediu a ela o nome do pai e quis saber como foi a relação dele com a mãe.

“Ela me disse que eles foram colegas de escola e tiveram um romance rápido”, contou o rapaz ao G1.

“Aí eu fui à escola e consegui conversar com a diretora. Expliquei minha situação, e ela me deu o endereço da casa dele. Só que ninguém morava mais lá, porque meus avós paternos morreram.”

O militar deixou os contatos dele com uma vizinha. Três semanas depois ele voltou ao local e recebeu uma surpresa: o pai, que é vigilante, havia passado e deixado um número de telefone.

O jovem conversou com a mulher, que deu força para ele ligar e falar a verdade. “Falei: oi, meu nome é Leonardo, e tem 20 anos que você teve um caso com a minha mãe, Aparecida.”

Teste de DNA

Pai e filho se encontraram no dia seguinte e planejaram o teste de DNA, que confirmou o parentesco.

Dois meses depois da averbação do nome do vigilante no registro de Silva Roque, o jovem recebeu uma ligação da madrasta.

“Fizemos um almoço pela manhã para eu conhecer a família, e à noite a esposa dele me ligou e contou sobre o vício em drogas. Fiquei muito triste. Eu pensava ‘acabei de conhecer meu pai e posso perder ele’. Imaginava como ajudar, mas também não tinha muito conhecimento nem intimidade com ele.”

Crack

Leonardo descobriu então que o vício do pai era anterior à época em que ele nasceu.

O vigilante começou com maconha e merla. Depois, partiu para cocaína. Por causa do valor da droga, migrou para o crack.

A madrasta estima que ele já chegou a gastar R$ 35 mil em um único mês comprando entorpecentes.

“Chamei ele para conversar, falei que a neta dele estava para nascer, e a vida dele ia se acabar. A esposa dele me ligava e falava que ele passava dias fora de casa. Ele gastou o dinheiro da venda da casa dos meus avós com isso.”

Foram várias tentativas para livrar o pai das drogas nos últimos quatro anos.

No meio de 2017 o rapaz decidiu fazer um ultimato e pediu a ajuda dos três irmãos e das tias. Em um almoço de família, o vigilante foi pressionado a se tratar.

“Eu falei assim: ‘olha, se você não for para a clínica, vai perder mulher, vai perder filhos, porque eu não vou correr atrás mais. E eu vou lá na boca, e a gente vai usar a droga juntos’. Essas palavras foram muito fortes, acho, porque ele não queria para mim a vida dele. Então ele aceitou ajuda”, contou.

A clínica

O vigilante Orlandino Ferreira Roque está internado na ONG Salve a Si, para tratamento contra drogas.

O pai do militar ganhou um ano de tratamento na clínica – o tempo médio estimado é de seis meses.

No local, ele realiza plantios e obras, para manter a cabeça ocupada. Além disso, faz cinco refeições por dia.

Todos os dias os pacientes eles conversam sobre as “superações” e dividem vitórias, falam do futuro e do que desejam para frente.

O grupo é acompanhado por psiquiatras e psicólogos e recebe atendimentos de cabeleireiros no próprio local. Ao todo, há 80 homens no local, com idades entre 18 e 60 anos.

O administrador da ONG, José Henrique França Campos, disse que a rotina é baseada em trabalho, terapia e espiritualidade.

“Eles têm também, na reinserção social, um professor agrônomo.” Os cursos técnicos, para os quais há certificado, são de psicultura, viverismo, criação de aves, horticultura orgânica e agrofloresta.

Nos primeiros meses, o contato com a família ocorre apenas por cartas. Uma vez por semana é autorizada uma ligação para casa. Após três meses, ganham direito de saída terapêutica uma vez por mês – saem na sexta e voltam na segunda.

“Ele disse que não sente mais vontade de nada. Que ele quer aproveitar a vida, que passou muito tempo na destruição, na droga, e que agora ele quer aproveitar e quer fazer viagem em família. Sinto que ele está decidido”, contou Leonardo.

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O vigilante Orlandino Ferreira Roque (de azul, ao centro) posa com os quatro filhos em Brasília; Leonardo (de vermelho) só foi ‘descoberto’ aos 19 anos e foi o responsável por convencer homem a se tratar contra drogas (Foto: Leonardo Pereira da Silva Roque/Arquivo Pessoal)

Gratidão

Cartas enviadas pelo vigilante Orlandino Ferreira Roque ao filho mostram a importância do ato do jovem na vida do pai.

Os textos são marcados por agradecimentos, declarações de amor, pedidos de visita e lembranças à neta e à nora.

“Precisou passar 19 anos para um anjo aparecer e tocar o meu coração. Você filho, quando você entrou para a minha família, tudo mudou. Caramba quando você, Leonardo, falou aquele dia que se eu não [parasse] de fumar essa droga la em casa na porta você lembra? Você disse pai se você não parar eu vou usar junto com você, e eu falei Leo você ta doido? Não fosse isto, foi ai que eu decidir não usar mais (sic).”

Apesar da gratidão do pai o rapaz não se vê como herói. “Acho que eu fiz o que qualquer filho faria. Eu fiz o que estava ao meu alcance. E eu quero fazer o melhor para ele, quero ajudar.”

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Em carta, o vigilante Orlandino Ferreira Roque cita importância da ‘ameaça’ do filho para que ele decidisse largar drogas (Foto: Leonardo Pereira da Silva Roque/Arquivo Pessoal)

( Com informações do G1 )

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Jornalista
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Derick Fernandes é jornalista profissional (MTB 10968/PR) e editor-chefe do Portal i24.
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