O brasiliense Leonardo Pereira Roque sonhava em descobrir a própria origem e em ter o nome do pai nos documentos. A vontade apertou agora, que a mulher dele está grávida.
Soldado do Exército, o militar foi criado pela avó materna. Ele pediu a ela o nome do pai e quis saber como foi a relação dele com a mãe.
“Ela me disse que eles foram colegas de escola e tiveram um romance rápido”, contou o rapaz ao G1.
“Aí eu fui à escola e consegui conversar com a diretora. Expliquei minha situação, e ela me deu o endereço da casa dele. Só que ninguém morava mais lá, porque meus avós paternos morreram.”
O militar deixou os contatos dele com uma vizinha. Três semanas depois ele voltou ao local e recebeu uma surpresa: o pai, que é vigilante, havia passado e deixado um número de telefone.
O jovem conversou com a mulher, que deu força para ele ligar e falar a verdade. “Falei: oi, meu nome é Leonardo, e tem 20 anos que você teve um caso com a minha mãe, Aparecida.”
Teste de DNA
Pai e filho se encontraram no dia seguinte e planejaram o teste de DNA, que confirmou o parentesco.
Dois meses depois da averbação do nome do vigilante no registro de Silva Roque, o jovem recebeu uma ligação da madrasta.
“Fizemos um almoço pela manhã para eu conhecer a família, e à noite a esposa dele me ligou e contou sobre o vício em drogas. Fiquei muito triste. Eu pensava ‘acabei de conhecer meu pai e posso perder ele’. Imaginava como ajudar, mas também não tinha muito conhecimento nem intimidade com ele.”
Crack
Leonardo descobriu então que o vício do pai era anterior à época em que ele nasceu.
O vigilante começou com maconha e merla. Depois, partiu para cocaína. Por causa do valor da droga, migrou para o crack.
A madrasta estima que ele já chegou a gastar R$ 35 mil em um único mês comprando entorpecentes.
“Chamei ele para conversar, falei que a neta dele estava para nascer, e a vida dele ia se acabar. A esposa dele me ligava e falava que ele passava dias fora de casa. Ele gastou o dinheiro da venda da casa dos meus avós com isso.”
Foram várias tentativas para livrar o pai das drogas nos últimos quatro anos.
No meio de 2017 o rapaz decidiu fazer um ultimato e pediu a ajuda dos três irmãos e das tias. Em um almoço de família, o vigilante foi pressionado a se tratar.
“Eu falei assim: ‘olha, se você não for para a clínica, vai perder mulher, vai perder filhos, porque eu não vou correr atrás mais. E eu vou lá na boca, e a gente vai usar a droga juntos’. Essas palavras foram muito fortes, acho, porque ele não queria para mim a vida dele. Então ele aceitou ajuda”, contou.
A clínica
O vigilante Orlandino Ferreira Roque está internado na ONG Salve a Si, para tratamento contra drogas.
O pai do militar ganhou um ano de tratamento na clínica – o tempo médio estimado é de seis meses.
No local, ele realiza plantios e obras, para manter a cabeça ocupada. Além disso, faz cinco refeições por dia.
Todos os dias os pacientes eles conversam sobre as “superações” e dividem vitórias, falam do futuro e do que desejam para frente.
O grupo é acompanhado por psiquiatras e psicólogos e recebe atendimentos de cabeleireiros no próprio local. Ao todo, há 80 homens no local, com idades entre 18 e 60 anos.
O administrador da ONG, José Henrique França Campos, disse que a rotina é baseada em trabalho, terapia e espiritualidade.
“Eles têm também, na reinserção social, um professor agrônomo.” Os cursos técnicos, para os quais há certificado, são de psicultura, viverismo, criação de aves, horticultura orgânica e agrofloresta.
Nos primeiros meses, o contato com a família ocorre apenas por cartas. Uma vez por semana é autorizada uma ligação para casa. Após três meses, ganham direito de saída terapêutica uma vez por mês – saem na sexta e voltam na segunda.
“Ele disse que não sente mais vontade de nada. Que ele quer aproveitar a vida, que passou muito tempo na destruição, na droga, e que agora ele quer aproveitar e quer fazer viagem em família. Sinto que ele está decidido”, contou Leonardo.
Gratidão
Cartas enviadas pelo vigilante Orlandino Ferreira Roque ao filho mostram a importância do ato do jovem na vida do pai.
Os textos são marcados por agradecimentos, declarações de amor, pedidos de visita e lembranças à neta e à nora.
“Precisou passar 19 anos para um anjo aparecer e tocar o meu coração. Você filho, quando você entrou para a minha família, tudo mudou. Caramba quando você, Leonardo, falou aquele dia que se eu não [parasse] de fumar essa droga la em casa na porta você lembra? Você disse pai se você não parar eu vou usar junto com você, e eu falei Leo você ta doido? Não fosse isto, foi ai que eu decidir não usar mais (sic).”
Apesar da gratidão do pai o rapaz não se vê como herói. “Acho que eu fiz o que qualquer filho faria. Eu fiz o que estava ao meu alcance. E eu quero fazer o melhor para ele, quero ajudar.”
( Com informações do G1 )