Mulher se forma em direito para investigar morte do filho

Derick Fernandes
Por Derick Fernandes Deixe um comentário 8 min de leitura
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O curso de Direito nunca foi um sonho para a comerciante, que é formada em Serviço Social. Ela somente decidiu fazer a segunda faculdade após se ver perdida em meio a termos jurídicos que constavam no processo referente ao assassinato de seu filho.

“Eu ficava incomodada por não entender o que o juiz estava dizendo e por precisar sempre recorrer ao advogado para compreender os termos”, conta.

Patrícia fez questão de acompanhar cada passo das investigações oficiais e dos trâmites jurídicos relacionados à morte do filho. Maik Joilson Gusmão, 19 anos,foi assassinado enquanto participava da festa de aniversário de um dos irmãos, em um clube, na capital mato-grossense. Conforme denúncia do Ministério Público Estadual de Mato Grosso, o jovem foi morto por motivo fútil. Ele estava na comemoração, quando Elton Victor Silvestre da Silva, de 20 anos, pulou o muro do clube.

O criminoso, conhecido como Vitinho, entrou no local após ser impedido pela portaria, por estar armado com uma pistola 380. Testemunhas relataram à Polícia Civil que o rapaz teria iniciado uma discussão com participantes da festa e Maik teria tentado apartar a confusão.

Maik – que comemorava sua reabilitação, após fraturar o fêmur durante um acidente de trabalho – foi empurrado, caiu no chão e levou três tiros. Ele morreu ali mesmo, três dias antes de completar 20 anos. “Eu perdi o meu chão”, diz Patrícia.

Logo após disparar contra a vítima, Vitinho atirou na perna de um amigo de Maik e fugiu para destino desconhecido. Abalada com a morte do filho mais novo, Patrícia Gusmão vivenciou intensamente o luto nas primeiras semanas. Porém, percebeu que as investigações sobre o homicídio do filho pouco evoluíam.

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Foto: BBC Brasil

“A Polícia Civil estava muito empenhada, mas sei que há outros diversos casos. Como era eu que tinha perdido meu filho e era a mais interessada nisso, decidi ir atrás do assassino.”

A comerciante passou a investigar o caso por conta própria. Ela utilizou um perfil de Facebook antigo da irmã, adicionou parentes de Vitinho e passou a acompanhar a rotina deles, por meio de publicações na rede social. A primeira pista que teve foi por meio de uma prima do rapaz. “Essa moça sempre marcava o assassino nas publicações e também interagia com a namorada dele, como se estivesse passando recados, então passei a ficar atenta nisso.”

A descoberta sobre o paradeiro de Vitinho veio após a prima dele comemorar a descoberta de uma gravidez. “Ela publicou a foto de um exame e anunciou que estava grávida. Nisso, ela marcou muita gente, incluindo o assassino do meu filho. Depois de ver essa postagem, tive certeza que eu estava perto de descobrir para onde ele havia ido.”

Patrícia conta que a publicação da prima de Vitinho mostrava o nome da clínica na qual fora feito o exame. Com base nisso, a comerciante procurou a delegada responsável pelo caso.

“Pedi que ela me ajudasse a descobrir onde ficava aquele lugar, porque seria uma ajuda importante para as investigações”, relata. A Polícia Civil fez um levantamento e descobriu que a clínica estava localizada no município de Araputanga (MT). “Eles foram até lá e pediram, com mandado judicial, o endereço da prima do assassino.”

A prisão

Depois de monitorar a residência da jovem grávida, a Polícia Civil localizou Vitinho. O rapaz estava no local desde que fugiu de Cuiabá. Ele foi preso em 20 de junho do ano passado. Durante interrogatório, confessou o crime. Depois foi encaminhado à Penitenciária Central de Mato Grosso e foi indiciado por homicídio qualificado, por ter dificultado a defesa da vítima, e motivação fútil. Em razão do tiro na perna do outro jovem, ele foi indiciado também por crime de lesão corporal.

Responsável pelo inquérito policial do crime, a delegada Juliana Chiquito Palhares, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Cuiabá, considera a participação da mãe da vítima como extremamente relevante para as investigações. “Ela trazia ao nosso conhecimento todas as informações que ouvia sobre o crime. Ela era como um catalizador de informações.”

A delegada frisa que a comerciante foi orientada a não tomar nenhuma atitude por conta própria. “A investigação é uma atividade que exige qualificação e muita segurança, por isso ela nunca foi incentivada a praticar os atos por si. Isso foi muito importante, porque desta forma conseguimos estabelecer uma parceria produtiva”, afirma.

A prisão do rapaz representou a conclusão do capítulo inicial da busca de Patrícia por justiça. “Eu fiquei mais aliviada, mas depois que ele foi preso, fiquei acompanhando todo o caso, para ter certeza de que ele não seria solto”, comenta a mãe.

Condenação

O rapaz permaneceu em prisão preventiva até a data do júri popular, em 25 de setembro deste ano. Patrícia acompanhou o julgamento. “Eu queria que ele ficasse preso pelo resto da vida, para que não fizesse com outra pessoa o que fez com o meu filho.”

Vitinho não possuía antecedentes criminais e argumentou à Justiça que cometeu os disparos como legítima defesa. A tese não foi acolhida pela juíza Monica Catarina Perri Siqueira, da Primeira Vara Criminal de Cuiabá. “Provas colhidas durante a instrução processual e ratificadas hoje em plenário revelam que Elton desfechou três disparos contra Maik, dois deles, inclusive, quando ele já estava caído ao solo, circunstância apta a demonstrar o firme desejo homicida do réu”, assinalou a magistrada.

A juíza reafirmou que o crime teve motivação fútil e os disparos contra Maik foram feitos em razão de o jovem ter intervindo em uma briga protagonizada pelo réu. “O comportamento da vítima não influenciou na prática delitiva, uma vez que era um dos responsáveis pelo evento e pretendia apenas evitar que ocorressem entreveros naquele local.”

O Tribunal do Júri condenou Vitinho pelos crimes cometidos em 1º de maio do ano passado. A magistrada determinou que ele continue recluso por 16 anos e cinco meses, em regime inicialmente fechado. A advogada do réu chegou a solicitar que ele cumprisse a pena em liberdade vigiada, mas o pedido não foi acolhido pela juíza.

Patrícia Gusmão ficou insatisfeita com a pena. “A decisão não foi o que eu esperava, pois acredito que ele estará na rua em um tempo muito menor do que 16 anos. Mas como eu já me desgastei muito com tudo isso, preferi aceitar, porque nada que seja decidido pela Justiça vai trazer meu filho de volta.”

A defesa do réu recorreu e pediu redução de pena. Agora o caso tramita no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e aguarda uma nova decisão.

Informações BBC Brasil

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Derick Fernandes é jornalista profissional (MTB 10968/PR) e editor-chefe do Portal i24.
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