Nos últimos dias, a construção de um muro pela Prefeitura de São Paulo na Cracolândia1 causou divergências na população. Há quem defende a construção por motivos de melhor segurança, porém, o possível ”confinamento” e uma arquitetura hostil também foi pauta para discussões.
A estrutura, com aproximadamente 40 metros de comprimento e 2,5 metros de altura, está localizada na Rua General Couto Magalhães, na região da Santa Ifigênia, próximo à estação da Luz. Anteriormente, o local já contava com tapumes de metal. As pessoas se concentram atrás do muro, em uma área delimitada pelas ruas dos Protestantes e dos Gusmões, que foram cercadas pela administração municipal com gradis.
Contrato para a construção do muro
O acordo para a construção do muro foi firmado em 15 de abril de 2024. A empresa Kagimasua Construções Ltda foi a vencedora da licitação pública por apresentar o menor preço. Várias outras empresas participaram do processo com ofertas superiores a R$ 100 mil, mas apenas a Kagimasua teve sua proposta ajustada. De acordo com informações da Subprefeitura da Sé, o custo total da obra foi de R$ 95.999,98. Os trabalhos começaram em 2 de maio de 2024 e foram finalizados no fim de junho do mesmo ano.
O que dizem os especialistas?
Amanda Gabriela Amparo, antropologista social pela USP, disse que o muro não resolve o problema e isso resultou na diminuição de usuários no chamado fluxo, que se dispersaram para outras áreas, tornando mais difícil “o acesso a essas pessoas e criação de vínculo com os trabalhadores da rede de saúde e assistência social”.
Explicação para o STF
Após solicitação de parlamentares do PSOL, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou na quinta-feira, dia 16, um prazo de 24 horas para que o prefeito Ricardo Nunes forneça esclarecimentos sobre a construção do muro. De acordo com os parlamentares, a obra promove segregação e exclusão social das pessoas que vivem na Cracolândia, infringindo os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como igualdade, liberdade e acesso a direitos básicos. Confira abaixo a nota da Prefeitura de São Paulo:
“Em relação ao muro de alvenaria na Cena Aberta de Uso (CAU) da Rua dos Protestantes, região central, a Prefeitura de São Paulo reitera:
1. O muro foi construído em maio de 2024 em substituição a tapumes de metal que já existiam no local, que é uma área pública.
2. Os tapumes foram substituídos porque eram quebrados com frequência em partes pontiagudas, oferecendo risco de ferimentos às pessoas em situação de vulnerabilidade, moradores e pedestres e prejudicando a circulação nas calçadas.
3. Não há o que se falar em “confinamento”. Pelo contrário. A extensão do muro de alvenaria erguido no ano passado, totalizando 40 metros, foi inferior ao de tapumes existentes inicialmente no local. Atualmente, o muro está instalado somente na lateral da área municipal localizada na Rua General Couto de Magalhães. A outra lateral do terreno, para a Rua dos Protestantes, onde antes havia tapumes, foi aberta, permitindo o acesso e a ocupação da área municipal pelas pessoas. O terreno, inclusive, recebeu um novo piso.
Desde agosto de 2023, a Cena Aberta de Uso está concentrada na Rua dos Protestantes, na região central, e, entre janeiro e dezembro de 2024, houve redução de 73,14% na média de pessoas no local. A redução do fluxo no local deve-se ao aprimoramento das abordagens e encaminhamentos feitos pelas equipes de Saúde e Assistência Social, à ampliação das ações de Segurança Pública com o uso de câmeras e tecnologia e a estratégias para evitar que novas pessoas retornem à CAU. Somente entre janeiro e dezembro de 2024, as ações da Prefeitura no local resultaram em 19.026 encaminhamentos para serviços e equipamentos municipais. Nesse período, 679 pessoas alcançaram autonomia financeira, 308 conquistaram autonomia de moradia e 261 reconstruíram vínculos familiares. O Programa Operação Trabalho Redenção registrou 1.802 participantes.
A Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos informa que o Ofício da Defensoria Pública está sendo analisado pelas áreas envolvidas e será respondido após essa avaliação.”
Secretário defende decisão
Orlando Morando, novo Secretário de Segurança Urbana da Cidade de São Paulo, defendeu a construção em vídeo publicado em seu perfil no TikTok, reafirmando a melhor segurança para os usuários de drogas e pessoas que transitam entre as ruas. Confira o vídeo na íntegra:
Décadas de Cracolândia
Uma das maiores perturbações da cidade de São Paulo tem um novo capítulo. Desde os anos 90, a Cracolândia se instaurou no maior centro urbano do país, e entre mudanças de locais, o maior problema continua: vidas se perdendo por causa das drogas.
- Cracolândia é a denominação comum para uma população em situação de rua, composta, na sua maioria, por dependentes químicos e traficantes, geralmente de crack, que costuma ocupar uma determinada área no centro da cidade de São Paulo ↩︎