Áudios divulgados nesta segunda-feira (21) pela Folha de S.Paulo revelam fala do ministro da Educação, Milton Ribeiro, em uma reunião com prefeitos, em que ele afirma priorizar municípios indicados por dois pastores, a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O áudio da reunião foi divulgado com exclusividade em uma reportagem assinada pelo jornalista Paulo Saldaña, e trazem a tona um suposto “gabinete paralelo” de pastores que controlaria o dinheiro público e a agenda do Ministro da Educação.
Os pastores a que o ministro se refere no áudio são Gilmar Santos e Arilton Moura. Eles não tem cargo no governo, mas costumeiramente participaram de várias reuniões com autoridades nos últimos anos.
Gilmar é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil Cristo Para Todos (Conimadb). Arilton Moura também é membro da Assembleia de Deus.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, declarou o ministro no áudio revelado pelo jornal.
Além dos prefeitos, também participaram desta reunião outros dois pastores evangélicos.
“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, complementou Ribeiro.
Em outro momento da reunião, o chefe do MEC diz que há uma contrapartida para esses repasses, mas não dá detalhes sobre isso. “Então, o apoio que a gente pede não é segredo. Isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas“, disse.
Por meio de nota, o ministro não comentou o áudio, nem as suas circunstâncias, mas afirmou que Bolsonaro não pediu atendimento preferencial, e negou que estivesse favorecendo pastores.
GOVERNO EVANGÉLICO
O presidente Jair Bolsonaro, desde que foi eleito, procura estreitar relações com igrejas evangélicas. No dia 08 ele promoveu um ato com a presença de 24 pastores de igrejas. O ato aconteceu em apoio ao governo, na residência oficial do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Bolsonaro também aparece com frequência a cultos evangélicos, e indicou um ministro evangélico ao Supremo Tribunal Federal. André Mendonça é presbiteriano, e atual ministro do STF. Ele comandou também a pasta do Ministério da Justiça.
ENCONTRO COM AUTORIDADES
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura ganharam trânsito em gabinetes de altas autoridades em Brasília.
No primeiro ano do mandato de Bolsonaro, em 2019, eles estiveram com o presidente no Palácio do Planalto em abril e em outro, em ocasiões de solenidades registradas oficialmente. Em abril, Gilmar foi fotografado ao lado do presidente; na segunda visita, ambos participaram de um evento e entregaram um livro a Bolsonaro.
Em uma rede social da Conimadb, outro encontro dos dois pastores com Bolsonaro é registrado, desta vez em fevereiro do ano passado. Já em dezembro, eles estiveram com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Ainda em 2021, os pastores se reuniram 18 vezes com Milton Ribeiro, confirme registros oficiais.
A agenda do ministro relata que esses encontros eram de “cortesia” ou para tratar de “obras” ou de “alinhamento político”.
Em um desses encontros, em agosto, o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes, estava presente. A reportagem da Folha de S.Paulo também revela que, os recursos que Ribeiro dirige aos municípios indicados pelos pastores, saem do FNDE.
Segundo o jornal, desde o início do ano passado, o Ministério da Educação empenhou ou executou pagamentos de R$ 9,7 milhões nos dias seguintes aos encontros dos pastores com o ministro.
OPOSIÇÃO COBRA EXPLICAÇÕES
Na terça-feira, a oposição apresentou notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro por suposto favorecimento indevido a pastores.
O deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) que lidera a minoria, pede que, se confirmadas as irregularidades, Milton Ribeiro seja afastado do cargo.
O pedido também solicita um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o tema.
“O Ministério da Educação não pode ser utilizado como instrumento de propaganda ideológica do governo federal, muito menos como um local para troca de favores e agrados a aliados do presidente da República”, afirma o pedido da oposição.
A oposição diz que podem ter sido cometidos crimes de tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.
LIGAÇÕES EM LONDRINA
Não é a primeira vez que Milton Ribeiro se envolve em uma situação com pastores. No ano passado, a Folha de S.Paulo trouxe em reportagem que a Universidade Filadélfia de Londrina (UniFil) teria sido beneficiada pelo ministro em uma investigação por suspeita de fraude no Enade.
Milton Ribeiro teria protelado enviar à Polícia Federal a apuração que indicava evidências estatísticas de fraude em um curso da UniFil.
O ministro tratou do assunto pessoalmente, recebeu os controladores da universidade, e viajou a Londrina, onde participou de um encontro com o reitor Eleazar Ferreira e seu irmão Osni Ferreira, pastor benemérito da Igreja Presbiteriana Central, cujo esta tem ligações com a instituição de ensino sem fins lucrativos.
A reportagem apurou os irmãos Eleazar e Osni também são empresários. O reitor Eleazar detinha uma agência de correios em Londrina, localizada na Avenida Maringá, que prestava serviços postais à instituição.
Já Osni Ferreira consta com participação em empresas no Paraná e Mato Grosso do Sul.
Osni e Eleazar são sócios na Sellokarta Serviços de Postagem LTDA. Na Receita Federal, Eleazar consta como administrador da empresa.
Na ocasião da reportagem da Folha de S.Paulo sobre o Enade, os pastores não comentaram a respeito.